Hoje celebramos oito semanas de “de volta pra casa”. Oito semanas em que me desafio a fazer arte, aconteça o que acontecer — dias bons, dias horríveis, dias de sol, de chuva, de luto, de (in)disposição física, picos de energia, ciclos menstruais, mudanças de humor… Nada seria motivo (ou desculpa) para o meu “não criar”. Hoje, portanto, é um dia especial por aqui.
Quando pensei muito brevemente sobre um eixo editorial que gostaria de seguir — ou, em outras palavras, quais assuntos queria escrever e divagar sobre — deixei anotado em backlog o desejo de destacar mulheres artistas que admiro, compartilhar seus trabalhos e até mesmo entrevistá-las quando fosse possível. Eis que esse dia chegou, e não haveria como deixá-lo passar despercebido; ele merecia um momento especial e todo seu.
curto circuito
Na última sexta-feira, dia 13, estive no lançamento do segundo livro da autora Laisa Kaos (@lai_kaos)1, o “Curto Circuito”. A Laisa é artista, poeta, escritora, historiadora, mulher ativista e absolutamente multifacetada, que admiro não apenas a trajetória, mas sobretudo sua coragem de gerar e parir sua arte no mundo, aconteça o que acontecer.
Nos conhecemos virtualmente durante a pandemia, como consequência do meu trabalho como advogada de mulheres em situação de violência. Mas preciso dizer que a Laisa foi uma das primeiras pessoas a celebrar a minha “chegada” no mundo das artes e me recebeu com uma afetuosidade que me encheu de coragem e carinho pelo processo que enfretaria a partir de então.
Sua obra “Curto Circuito” aborda, de maneira poética e intensa, questões de saúde mental a partir de uma perspectiva visceral de quem sente na pele — e nos olhos do lóbulo central — os efeitos de distúrbios psiquiátricos que, não raramente, são confundidos como meros “traços de personalidade”.
A genialidade aqui reside justamente em sua capacidade de materializar assuntos complexos com beleza e profundidade, fazendo-se compreender até mesmo àqueles que nunca tenham experienciado nenhuma situação semelhante.
Por coincidência ou não, o mês de Setembro é marcado pela campanha Setembro Amarelo2 de prevenção ao suicídio e promoção dos cuidados com a saúde mental: a grande máquina que opera e coordena nosso corpo-templo e, inevitavelmente, nossas decisões.
Como comentei na primeira newsletter desse mês, cada vez mais a arte tem sido reconhecida como mecanismo de “transposição” de emoções e sentimentos que, muitas vezes, são impossíveis de serem manifestados de outra forma que não através de nosso cérebro criativo.
Além disso, é preciso dizer que ver mulheres fazendo sua arte, comunicando sua mensagem, publicando suas obras (e fazendo dinheiro com/através delas) e, principalmente, curando suas feridas mais profundas e enraizadas através de suas próprias criações é, literalmente, revolucionário.
Até pouco tempo atrás, escritoras e artistas em geral eram obrigadas a se utilizar de pseudônimos masculinos na autoria de suas obras porque sequer eram autorizadas a criar qualquer coisa — quiçá faturar com suas criações. Como diria Virginia Woolf3, “anônimo, que escreveu tantos poemas sem assinar, era muitas vezes uma mulher”.
Mais do que nunca, é muito importante que a gente leia mulheres, contrate mulheres, ouça mulheres, admire mulheres, consuma o trabalho e a arte feita por mulheres; esse é o melhor e mais genuíno caminho a se trilhar se estivermos efetivamente interessadas e comprometidas em (re)escrevermos uma história em que a nossa existência não se resuma à servidão e à subalternidade.
A arte, portanto, será feminista4, ou não será.
“Nas minhas disciplinas, os professores me falavam de um mundo em que ostensivamente a metade da raça humana faz tudo o que é importante e a outra metade não existe.”
Gerda Lerner, em “A Criação do Patriarcado”.
maníaca
Toda a experiência subsequente ao mencionado evento de lançamento — o local, as pessoas presentes, a música ambiente, a conversa com a autora, a trilha sonora indicada na leitura, a efetiva leitura e releitura do livro… — me levou a crer que eu precisava registrar essa semana como forma de agradecer a todas as mulheres artistas (ou não!) que, assim como a Laisa, não desistem de colocar sua voz no mundo mesmo diante de todas as dificuldades que nos assolam sem piedade.
Fiz uma longa pesquisa em busca de referências que, de alguma maneira, me ajudassem a representar como me senti ao terminar o livro pela segunda vez: um pouco atordoada e bastante inspirada.
E assim, depois de alguns dias de pesquisa e dois dias inteiros de prática, nasceu a Maníaca — pintura acrílica sobre Canson A3 180g/m³. Além de ter sido uma das pinturas que mais gostei de fazer até agora, foi o único desenho em que criei 100% das composições de cores presentes na tela, algo bem desafiador pra mim (que sequer iniciei os estudos sobre teoria das cores).
Como sempre falo por aqui, a intenção não é ser perfeita, é ser constante, ousada e me divertir pelo caminho! E se, como um presente da vida, surgir inspiração suficiente para sujar os pincéis ou escrever uma crônica, que a gente não faça desfeita, se desfaça do medo e mande ver.
me aceite como eu sou, quem quer que eu seja
Eu não poderia terminar essa newsletter sem indicar fortemente que você inclua assistir o episódio “Me aceita como eu sou, quem quer que eu seja”, da série Modern Love (mais precisamente 1ª temporada, 3º episódio) na programação do seu final de semana.
A série é baseada na coluna homônima publicada pelo jornal The New York Times, e reúne histórias sobre amor (e outras drogas) em suas mais diferentes facetas. Os episódios são independentes, então você pode assistir na ordem que preferir (e todos valem muito a pena!), mas o episódio indicado conversa diretamente com o nosso papo de hoje e conta com a atuação impecável da Anne Hathaway.
Obrigada por passar mais uma semana comigo, e me deixe saber o que achou do conteúdo de hoje aqui nos comentários, tá?
Um beijo, e até a próxima!
Percebi algo que me faltava
Procurei máscara
Óculos
Chapéu
Roupas
Tudo estava lá em mim
E sem mim
Era eu mesma que havia partido.
(Laisa Kaos, em “Curto Circuito”)
Conheça mais sobre a autora em: https://www.laisakaos.com.
Para mais informações sobre a campanha, acesse: https://www.setembroamarelo.com.
“Um teto todo seu”, de Virgínia Woolf [1929, pos. 972].
O feminismo é um movimento político, social, econômico e cultural que reivindica a igualdade jurídica, política e social entre mulheres e homens. Sua atuação não é sexista, isto é, não busca impor algum tipo de superioridade feminina, mas sim a igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros.







